terça-feira, 24 de abril de 2012

Pra não dizer que eu não falei da alegria...


Lembro-me daquela praia
e da primeira vez que chorei ao ter de me despedir do mar

Lembro-me também de meu pai pescando ao pôr-do-sol com seu chapéu
e de capturar aquele raro instante do seu semblante sereno e feliz

Lembro-me de minha mãe cantarolando cantiga de ninar enquanto passava roupa
e de quanto me sentia segura, implorando pra que aquele momento não acabasse nunca mais

Lembro-me de dormir no mesmo quarto com meu irmão, que nas minhas infindáveis noites insones dormia como um anjo 

e, ao olhá-lo, eu podia fazer de conta que não estava sozinha

Lembro-me da primeira vez que alguém confiável me ensinou a transgredir saudavelmente as regras
e de como foi delicioso me lambuzar toda comendo aquele doce com as mãos

Lembro-me da primeira vez que andei de bicicleta e não caí,
contrariando todas as probabilidades

Lembro-me do primeiro beijo que não foi apaixonado, mas foi melhor (foi roubado)
e desse susto que me fez sonhar por noites inteiras

Lembro-me daquele olhar que primeiro, não entendi, segundo, não acreditei,
mas que depois me convenceu que eu era a mulher mais linda do mundo

Lembro-me do primeiro sonho impossível realizado: o grande amor
o que me fez acreditar que tudo era possível

Lembro-me do primeiro salário que me trouxe a sensação de poder
e me deixou saborear por alguns instantes uma fantasia de liberdade

Lembro-me de Natais
e mesmo que Deus não exista, eu Lhe sou muito grata por nos dar esses pretextos

Lembro-me também de acreditar que o ano que apenas se iniciava era novo
e que então tudo seria diferente e melhor

Lembro-me de me culpar por não ser o que devia ser
e, de repente, me pegar sorrindo sozinha no meio da noite ao ajeitar os cobertores de três meninas que dormiam

Lembro-me que pari
e que, inacreditavelmente, ele nasceu e o mundo nunca mais foi o mesmo

Lembro-me de outra praia, do riso solto do filho de quatro anos a correr em círculos com seu pai em torno a nós, 

deixando-nos, eu e a avó, tontas de tanta paz

Lembro-me de que ele foi embora, me matando naquela noite
e que depois voltou de joelhos

Lembro-me de todos os “perdão” e “obrigado”
que nem sempre remetem a uma alegria, mas fazem uma deliciosa compressa quente no coração

Lembro-me de acreditar desconfiando
e de explodir de exaltação ao confirmar: “Eu sabia! Por que duvidei?”

Lembro-me de olhares silenciosos de aprovação,
mesmo que as palavras não dessem o braço a torcer

Lembro-me do dia que, surpreendendo a plateia de “experts”,
meu projeto de iniciante foi super elogiado (yyyessssss!)

Lembro que, quando já parecia impossível, passei no vestibular, tornei-me bacharel
e que depois, mais uma vez inexplicavelmente, ganhei uma bolsa de estudos e concluí o mestrado em filosofia

Lembro-me de uma incrível festa-surpresa de despedida
que incluiu algumas pessoas pra sempre no meu coração

Lembro-me de ombros amigos, de choros compartilhados, de gargalhadas intermináveis às vezes regadas a vinho ou cerveja
e de tanto amor recebido de um modo que jamais pensei merecer

Lembro-me de presentes que nunca poderei retribuir
mesmo porque amor não se retribui, apenas se sente

Lembro-me de pisar na Itália pela primeira vez
e de me deixar invadir por todos os cheiros tão meus, matando a saudade do que ainda não tinha vivido

Lembro-me de todas as vezes que me olhei em reflexos de janelas (de casas, trens, ônibus), observando as mudanças em meu rosto
e de todos os meus sorrisos sempre que reencontrei o mesmo brilho no olhar

Lembro-me de tantas coisas que já imaginei, de todos os futuros que já inventei
e me pego sorrindo com um “quem sabe?” entre os dentes 

Lembro-me de sentir uma profunda gratidão
e de chorar convulsivamente feliz

Lembro-me de alguém que me tocou a alma 
e eu nunca mais fui a mesma: finalmente, fui eu mesma 

Lembro-me  “daquele” olhar
Lembro-me  de abraços
Lembro-me  de músicas e de poesias
(essas coisas dispensam explicação)

E me lembrando de tudo isso e de mim,
desafio o tempo, apostando no próximo instante...

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