sexta-feira, 16 de março de 2012

À deriva


Flutuava no tempo como se não existisse.
Atordoado.
Não lembrava mais de si mesmo?
Aflito, fechou os olhos segurando-os com firmeza, se curvou pra dentro (o corpo todo, como quem mergulha nas próprias entranhas): tinha que tocar e firmar o epicentro de onde se propagava aquele turbilhão de rostos...
tantos rostos passando freneticamente pela sua mente, tão estranhos...
Qual era o dele?
Esforço inútil.

Só lhe restava abandonar-se mesmo...

A sensação de estar à deriva, liberdade que sempre sonhara, se transformava em pura náusea. 

Não tinha pouso.
Também não tinha medo, só insônia.
A angústia maior era não conseguir despertar dela.
Tanto fazia se era dia ou noite; tanto fazia se era dentro ou fora:
nada o salvaria daquele perdurar sem dono,
da condenação de ser invariavelmente morno,
da impotência de ser mero fantoche entregue à insensatez da rotina.

Devia ser outono.
Pensou em voltar pra marquise... era sempre a mesma?
(como se alguma coisa pudesse ser sempre a mesma)
A marquise era sempre a mesma não importava qual fosse.
Toda marquise era estranha e, portanto, era sempre igual.
A gente se acostuma com tudo na inexorável repetição: quando a rotina é se deparar sempre com coisas estranhas, nada mais espanta.

Sempre... sempre... soava como uma bigorna.
Sempre.
Tudo igual.

Que horas eram?
Tanto fazia.
As horas não contadas se abriam em imensos vazios por onde seu pensamento oscilava lentamente entre o sim e o não...
sim...
não...
sim...
não...
Tempo: pêndulo das incertezas.
A meia-noite tanto fazia como o meio-dia.
A meia vida tanto fazia como o meio lanche.

Pensando bem, tanto fazia também qual era o seu rosto entre tantos...
tão estranhos e, portanto, tão iguais.
É.
Ficou mais calmo.
Resolveu voltar pra marquise.
Já era hora.

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